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História: 181 anos do batismo de fogo de Anita na Enseada de Imbituba

No dia 4 de novembro de 1839, quando os republicanos chegaram à enseada de Imbituba, lá encontraram o navio de Inácio Bilbáo, que também os esperava porque não pudera entrar em Laguna. Imediatamente Garibaldi ordenou que o Seival adentrasse o máximo possível na enseada, e dele fosse retirado um dos canhões e conduzido ao cume da elevação. Para esta operação, além de seus marujos, contou com a colaboração de um destacamento de duzentos homens, do coronel Teixeira Nunes, que ali estavam montando guarda. Para atingir as naus republicanas, os imperiais deveriam entrar na enseada e, ao entrarem, seriam alvos fáceis daquela bateria disfarçada por detrás de uma improvisada parede de pedras. Entregou o comando da artilharia de terra ao oficial republicano Manoel Rodrigues. Esta bateria e os barcos de Garibaldi foram colocados de forma que os navios imperiais, ao entrarem na enseada, ficassem no meio de um fogo cruzado. A operação consumiu todo o dia, sem que, felizmente, fossem admoestados. Durante os últimos dias, as contendas tinham produzido algumas baixas e entre os republicanos havia diversos feridos, que, por ordem de Garibaldi, foram desembarcados e, juntamente com os gêneros apreendidos durante o corso, foram colocados em carroças e transportados até Laguna pelos soldados de Teixeira Nunes.
Durante estes dias, Anita, que em nenhum momento deixou de estar ao lado de Garibaldi, de tudo tinha participado, mesmo nos momentos em que pareceram iminentes a derrota e a morte, manteve sempre alta a confiança na vitória final. Durante as refregas e contendas não houve o que não fizesse: carregou e disparou mosquetões e canhões; incitou à luta e não deixou o desânimo permear a coragem dos mais fracos. Nas pausas, a ferocidade da guerreira cedeu espaço à humanidade da emergente enfermeira, consolando e cuidando dos dilacerados feridos que padeciam. E quando a noite chegou, a guerreira republicana esqueceu suas armas, transfigurou-se em sublimidade e dissimulou a degradação da guerra com a linguagem de seu fascinante amor.
Garibaldi, antevendo um confronto desvantajoso e temendo pela segurança e integridade de Anita, encareceu para que desembarcasse, acompanhando os feridos à Laguna, ou então que se pusesse a salvo, em terra firme, de onde poderia participar e assistir ao desenlace da contenda. Em vão os argumentos. Respondeu que ficaria ali mesmo e que haveria de correr os mesmos riscos, como qualquer um dos homens e que para ela não fosse destinada atenção ou proteção especial. Queria ficar, para ser mais um a ajudar no combate. E não para ser protegida. De nada adiantaram os argumentos. Resoluta, Anita permaneceu a bordo.
A tensão reinante nos navios republicanos e na artilharia em terra era grande. Sabiam que a luta seria desigual, mas não estavam dispostos a renderem-se ou a abandonar os navios e rumarem à Laguna por terra. Estavam em guerra contra o Império, e para tanto a causa exigia fidelidade, ação e coragem, mesmo que ao preço de uma derrota. Embora inferiores, contavam com uma arma que os imperiais nunca possuíram, ou seja, não lutavam à soldo, mas pelo ideal de uma causa nobre, a independência e o direito de autodeterminação de um povo. Garibaldi contava com sua habilidade e mais uma vez sua estrela não o abandonaria.
Ao clarear a manhã de 4 de agosto, os três maiores navios da armada imperial, o Bela Americana, o Patagônia e o Andorinha compareceram na embocadura da enseada e, imediatamente, abriram fogo. Os dois primeiros atacam e disparam contra o Rio Pardo, o mais bem equipado dos republicanos, onde se encontrava Anita e Garibaldi. O Andorinha concentrou seus tiros contra a artilharia que estava sobre a elevação de terra. Mas o alvo dos imperiais era o Rio Pardo, pois ali se concentrava o grosso da resistência republicana e ali estava Anita, postada com fuzil, na primeira linha dos atiradores. Enquanto as naus imperiais mantiveram-se em movimento, fazendo manobras, o Rio Pardo ficou fundeado, sem poder mover-se. Alvo parado, logo começaram surtir os efeitos do poder de fogo inimigo, cujos canhões o atingiram inúmeras vezes. No tombadilho do Rio Pardo surgiram os primeiros cadáveres, despedaçados pela potência das baterias inimigas. Mas o ânimo estava alto, e a marujada republicana não se acovardou, fazendo a luta prosseguir durante horas, continuadamente, sem qualquer trégua, de lado a lado.
Em suas memórias Garibaldi contou que à medida que as horas foram passando, aumentaram a violência imperial e a frequência de seus canhoaços, que a cada manobra aproximavam-se mais, permitindo que o combate fosse feito na pontaria das carabinas, homem a homem. Sob seu comando, determinou que a pontaria fosse caprichada, evitando o desperdício de munição. Anita, entre uma descarga e outra, repassou as ordens, disposta a não ceder. “Nós esperamos que nos abordassem […] Estávamos prontos para tudo, menos para ceder”, escreveu Garibaldi em suas memórias.

Apesar dos imperiais estarem com seus navios em movimento, o que tornava mais difícil a pontaria, a improvisada bateria de Manoel Rodrigues havia surtido efeito, manteve-se firme e fez estragos nos imperiais.
Com muitos mortos dentre os republicanos, com o Rio Pardo bastante avariado em seu velame e casco, no meio da tarde, após longas horas de contínuo combate, sem que a Marinha Imperial recuasse, alguns soldados começaram a pressentir que a resistência era inútil, e o ânimo começou a declinar. Era iminente a abordagem. Garibaldi os conclamou a não desistirem, e deu o exemplo, indo para o parapeito, ficando de frente para as balas inimigas, expondo-se pessoalmente, ainda mais. Anita o acompanhou e, de fuzil em punho, gritou palavras de ordem, chamando os exaustos marujos que começaram a fraquejar. Vendo-a assim exposta, Garibaldi foi tomado de orgulho pela demonstração de coragem de sua companheira, mas temendo pela sua integridade, ordenou-lhe pôr-se a salvo, proteger-se, sair do tombadilho. Anita ouviu, mas não lhe obedeceu e permaneceu no palco da luta. Entre um tiro e outro, ergueu seu mosquetão e conclamou seus companheiros à luta. Um tiro de canhão, porém, atingiu o local onde se encontrava com outros dois marinheiros.
“Anita entre dois marinheiros continua na proa, de fuzil ao peito. Como que alheada de tudo quanto se passa ao seu redor descarrega a arma em tiros rápidos. Nenhum lugar está mais exposto às balas do inimigo. Em vão se empenhara Garibaldi por tirá-la dali. De repente, um tiro de peça, batendo de encontro à amurada fá-la em estilhaços. Anita e os marinheiros são arremessados à distância. Ouvem-se gritos de espanto. Garibaldi precipita-se para o lugar em que a companheira jaz estirada, sem sentidos. coberta de sangue. Acodem alguns homens aos marinheiros. Inútil todo o socorro. Estão mortos, horrivelmente mutilados. Anita, porém, passados alguns instantes, volta a si. Diz que não está ferida. O sangue que lhe mancha o rosto, as mãos, os braços, é sangue dos marinheiros que morreram ao seu lado. E quando Garibaldi de novo lhe adverte que desça. ela responde:
– “Sim, vou descer ao porão, mas para enxotar os covardes que lá se foram esconder”!
Ao passo firme, saiu do convés. E momentos depois voltava. afrontando as balas e trazendo consigo três marinheiros que, apavorados e vencidos pelo cansaço, haviam desertado à pugna.”
Nos demais combatentes, que a viram tão decidida e corajosa, mesmo após ter sido atingida por uma bala de canhão, o ânimo retornou. O exemplo nobre, o heroico gesto de uma mulher, despertou-lhes novamente a coragem. Readquiriram o ânimo, empunharam suas armas e voltaram a guerrear com tamanha força de vontade e disposição que os imperiais, que preparavam a abordagem, retrocederam. O dia findava e cobertos pela noite, vitoriosos, retornaram à Laguna.


Trecho da obra “Anita: a Guerreira da Liberdade e das Repúblicas”, de Adilcio Cadorin

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