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Seival – o barco emblemático na história das Repúblicas Rio-grandense e Catarinense e de Giuseppe e Anita Garibaldi

Foto: Professor Wolfgang Rau/Reprodução de Livro

*Por Adílcio Cadorin

O barco Seival guarda um valor histórico significativo. Seu nome  foi  dado em homenagem à batalha ocorrida junto ao arroio que leva seu nome, e que corre no município de Bagé, no RS. O confronto aconteceu em 10 de setembro de 1836 durante o conflito militar, onde o Coronel farroupilha Antônio de Sousa Neto venceu as tropas do Coronel imperialista João da Silva Tavares, vitória essa que ensejou a proclamação da República Rio-Grandense.

Classificado como um palha-bote, o Seival foi construído às margens da Lagoa dos Patos, hoje Município de Camaquã-RS, com as dimensões aproximadas de 5 metros de largura por 14 de comprimento, e foi utilizado pelo italiano Giuseppe Garibaldi, em nome da República do Rio Grande do Sul, juntamente com o barco Farroupilha, para atos de corso contra os barcos da Monarquia Brasileira que singravam entre Porto Alegre e a cidade de Rio Grande.

Como os farroupilhas não conseguiram tomar o Porto de Rio Grande, porque o necessitavam para se comunicarem com o exterior, o Comando Farroupilha entabulou tomar a cidade de Laguna, cujo porto viria satisfazer e garantir a consolidação da nova República.

Para auxiliar neste projeto de tomar a cidade catarinense, Garibaldi convenceu os revolucionários a um plano audacioso: construir duas carretas, com rodas de mais de três metros e meio de altura, sobre as quais flutuaria os barcos Seival e Farroupilha pelo extremo norte da Lagoa dos Patos – local conhecido como Roça Grande, proximidades da hoje cidade de Capivari-RS – para serem então tracionados por terra por cem juntas de bois. Após, iniciando no dia 5 de julho de 1839, os conduziram por 6 dias de ininterrupta marcha por terra, percorrendo cerca de 80 quilômetros, atravessando matas, pantanais e areais até chegarem na Lagoa de Tramandaí, em cujas águas colocaram as carretas até que os barcos novamente flutuaram.

Devidamente equipados com alguns canhões, dia 14 de julho saíram pela Barra da Lagoa e atingiram o mar aberto. O Seival foi comandado pelo americano John Grigs, conhecido como João Grande, enquanto Garibaldi comandou o Farroupilha. No entanto, no dia 15 de julho, atingido por forte tempestade, o Farroupilha foi ao fundo junto ao Parcel de Jaguaruna, entre a foz dos rios Urussanga e Araranguá.

Seival, já denominado Garrafão, em ruínas, em 1915. Arquivo.

Mesmo perdendo diversos compatriotas, salvaram-se Garibaldi e alguns náufragos, que seguiram a pé rumo norte, até que na Barra da Lagoa do Camacho, encontraram ancorado o Seival e sua tripulação que tinha vencido a borrasca. Informado que em Laguna diversos barcos municiados da Marinha Imperial guardavam a entrada da Barra do Rio Tubarão, Garibaldi selecionou quarenta marinheiros e assumiu o comando do Seival, fazendo-o adentrar à Lagoa do Camacho, travessando-a rumo norte e navegando por canais até atingir a foz do  Rio Tubarão, surpreendendo as naus imperiais pela sua retaguarda e capturando os barcos imperiais Itaparica, Santana, Lagunense e mais 14 pequenos veleiros, 15 canhões, 463 carabinas e mais 30.620 cartuchos, logrando escapulir apenas o barco Cometa. Era o dia 22 de julho quando no comando do barco e com apenas quarenta homens, Garibaldi tomou o Porto da cidade de Laguna, a qual no dia 29, através da sua Câmara de Vereadores proclamou a “independência do Estado Catarinense Livre e Independente, formando um Estado Republicano”.

Nos dias seguintes, nomeado pela República Catarinense como responsável pela defesa naval e sendo necessário preparar a defesa contra ofensiva que a Monarquia tentaria para retomar Laguna, Garibaldi ancorou o Seival e os demais que apreendeu no canal da Ponta da Barra, em frente ao Fortin Atalaia, para repará-los das avarias e restaurar o Fortin equipando-o com alguns canhões.

Durante alguns dias, Garibaldi observou por sua luneta que um pequeno grupo de jovens mulheres descia da vila de pescadores, que ficava acima do Fortin, ao final de cada tarde para buscar água em uma fonte rente às pedras na margem do Canal. Dentre as mulheres, uma havia lhe chamado a atenção. Ainda abalado pela perda de seus patriotas no naufrágio de dias anteriores, Garibaldi sentia um “imenso vazio que criou-se ao meu redor, eu sentia a necessidade de uma alma que me amasse…” ¹. Desceu então, de seu barco, tomou um escaler e, não mais as encontrando na fonte, buscou informações na casa de seu conhecido, onde, por agradável surpresa, foi-lhe apresentada a jovem Aninha que pela luneta havia lhe chamado a atenção. Em suas memórias confessou que naquele momento sentiu “o amor feito como relâmpago e …  às vezes é filho da tormenta…” ² . Ao se despedir, tomou suas mãos e disse-lhe “tu devi essere mia” ³, registrando em suas memórias que ao dizer-lhe estas palavras “fui magnético em minha insolência. Eu havia apertado um nó, sancionado uma sentença que somente a morte poderia quebrar”. Nasceu naquele momento a Anita Garibaldi, que iniciou assim a erigir um idílio épico, testemunhado apenas pelas cabines dos barcos ali ancorados, que passaram a dividir e habitar.

Com Anita à bordo e comandando os barcos Caçapava, Rio Pardo e Seival, Garibaldi empreende um corso, mas é logo surpreendido na Enseada de Imbituba onde são bloqueados pela armada imperial, tendo então ordenado que um canhão do Seival fosse instalado no promontório ali existente a fim de evitar a entrada das naus inimigas na Enseada, o que não foi suficiente para evitar uma batalha desigual em virtude da superioridade imperial, ocasionando baixas e o amedrontamento da marujada republicana. Enquanto disparava sua carabina, dois marinheiros ao lado de Anita foram atingidos por um tiro de canhão, que a arremessou, fazendo-a desmaiar. Reanimada, Garibaldi ordenou-lhe que se colocasse a salvo no porão do navio, com o que Anita lhe respondeu que iria ao porão não para se abrigar, mas para buscar os covardes que lá se escondiam, o que fez trazendo-os e dando brados de comando, expondo-se novamente, motivando uma reação que fez cessar os disparos dos inimigos.

Foto: Professor Wolfgang Rau/Reprodução de Livro

Igualmente no dia 15 de novembro, quando Garibaldi estava ausente e tendo iniciado o ataque imperial contra o Seival e os demais navios republicanos que estavam ancorados no Canal da Barra de Laguna, Anita não hesitou em dar o primeiro tiro de canhão para conter o avanço das naus inimigas, que depois de algum tempo logram vencer os republicanos, o que motivou Garibaldi a atear fogo no Seival e nos demais navios que comandava para que não caíssem em mão dos adversários.

Vencidos os republicanos e extinta a República Catarinense, o Seival foi restaurado e incorporado à frota mercante que fazia cabotagem no litoral brasileiro, sendo então rebatizado com o nome de Garrafão.  Em 1910, por estar avariado, foi trazido para o cais do Porto de Laguna onde ficou abandonado por alguns anos, sofrendo um incêndio que o inutilizou completamente, salvando-se apenas seu mastro e sua lanterna, hoje expostos no Museu Anita Garibaldi, em Laguna.

Durante o período que o Seival ficou abandonado junto ao antigo Cais do Porto, na sua quilha nasceu espontaneamente uma figueira, que em 1921 foi transplantada para o Jardim Calheiros da Graça em Laguna, onde foi colocado ao seu lado um pequeno marco como forma evocativa para perenizar sua importância.

Meio século após, em 1971, o historiador Ludwig Wolfgang Rau recebeu por escrito uma autorização da Municipalidade para colher uma muda da emblemática figueira para transplantá-la em Garopaba, no local onde em 1839 teria sido o quartel general da vanguarda farroupilha em Santa Catarina.

Cem anos depois, neste ano de 2021, coincidentemente no ano em que comemoramos o Bicentenário de Anita Garibaldi, e em virtude de que pereceu a emblemática figueira de Laguna por sua longevidade, uma muda daquela que o Prof. Rau plantou em Garopaba será trazida de volta à Laguna pelo Coletivo das Anitas de Garopaba,  a ser replantada no  local  originário  no próximo dia 04 de agosto,  data que se reverencia o falecimento da Heroína ocorrido em 1849,  simbolizando a manutenção da memória e importância que o Barco Seival teve na construção da história  da República Catarinense e das lutas que  Anita Garibaldi  protagonizou em seu tombadilho.


*Advogado, historiador, diretor do CulturAnita, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.

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